“Um
homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho.
Chamava-se Crisóstomo”. Essa é a primeira frase do romance e já o seu
argumento. “O Filho de Mil Homens” conta a invenção da família por meio de
personagens pela metade, que buscam expandir-se a cada página. A história que é
contada ficciona um ensaio sobre o amor familiar.
Crisóstomo é um homem que carrega
suas metades pelos dias. Pescador, falta a si uma família para que a vida seja
completa. Ao perceber que, aos quarenta, “caia para dentro de si”,
arremessando-se em seu próprio abismo de solidão, Crisóstomo passa a ser um pescador
de filhos, buscando por todos os cantos um pequeno que o chamasse de pai. Como
pescador, encontra, no mar, Camilo.
O menino é apresentado como um filho
impaternável. Ao contar sua história, o narrador deixa claro que, mesmo
distantes na vida, os destinos de Crisóstomo e Camilo foram projetados para se
encontrarem, uma arquitetura complexa que mistura uma casa sem cômodos e um
cômodo sem casa.
A terceira personagem que compõe o
eixo da narrativa é Isaura, a enjeitada. A partir de sua história são inseridos
na narrativa Antonino, Matilde, Rosinha, Mininha, Gemúndio, conjunto de
personagens que ajudará a compor a invenção da família.
O romance tem como força motriz os
amores estéreis, aqueles cuja completude nunca é dada. A partir deles nasce o
amor dos infelizes, daqueles marcados pela incapacidade de ser feliz, até
descobrirem que a “felicidade é ser aquilo que se pode ser”. Dessa forma se
apresenta o amor de uma anã “coitadinha”, de uma enjeitada e de um “maricas”.
Nesse ponto, vale observar a relação existente entre individuo e sociedade, ou
melhor, o quanto esses filhos da sociedade são reprimidos e têm suas vidas
moldadas a partir da “mãe”.
Da mesma forma que existe esta
relação maternal entre sociedade e indivíduo, a maternidade comum é explorada
ao decorrer da história. Assim, percebemos uma espécie de maternidade bélica
que, armada, joga seus filhos para uma guerra mundana, como na relação Matilde
e Antonino; ou uma maternidade sacrificial, no caso de Camilo e sua mãe; ou
mesmo uma maternidade dessanguínea. Há um esforço em mostrar, sobretudo, uma
positividade discutível das mães, pois embora sejam histórias fortes,
sofríveis, têm em comum a figura da mãe que ama e mantém esse amor numa redoma
intransponível.
Estruturalmente, o romance tem uma
arquitetura emaranhada, com histórias destinadas a se encontrarem. No entanto,
a impressão que se tem é a de escutar um contador de histórias que a cada
capítulo apresenta uma surpresa. Finalmente, a história é imprevisível pela sua
previsibilidade. Por isso, o romance tem mais força pelas histórias que conta,
separadamente, que pelo conjunto delas, que forma o enredo. Destaca-se,
sobretudo, personagens fortes como a anã, do capítulo segundo; Matilde, mãe de
Antonino; em contrapartida, Crisóstomo, que a princípio parece o protagonista
do romance, é passivo em sua história e apaga-se ao passar desta, como se
“caindo de um candeeiro”, e apagando-se ao soprar dos ventos.
De
forma mais crítica, percebe-se que à medida que os personagens para fora de si,
sobem, o romance, para dentro de si, cai. O enredo, como um todo, tem
peripécias frágeis, e um final previsível. A força do livro está mais na beleza
dos tijolos que na imponência do muro. “O Filho de Mil Homens” é um romance
pela metade.
0 comentários:
Postar um comentário